terça-feira, 18 de março de 2014

A diferença entre os feminismos liberal e radical



     Muita gente não compreende termos como feminismo liberal/libfem - e não tem obrigação. Muitas feministas liberais não se percebem como tais e, embora não deixem de o ser por conta disso, não sabem do que está sendo falado quando são chamadas assim.
     Na minha concepção, a diferença fundamental entre os feminismos liberal e radical gira em torno do sentido que cada um dos dois dá à palavra "consentimento". 
     No neoliberalismo, é enfocada a livre iniciativa, que é individual. É a sociedade do indivíduo que, do alto do seu empreendedorismo e liberdade de escolha, faz o que quer, com o mínimo de intervenção estatal possível. O neoliberalismo tem respaldo ideológico no cristianismo protestante, defensor árduo do livre-arbítrio concedido por Deus. 
     Já o feminismo radical pensa a sociedade estruturalmente, não em termos da soma de várias individualidades isoladas e autônomas. Para o feminismo radical, temos uma ilusão de fazer escolhas quando, na verdade, somos condicionadas desde os primeiros anos a "escolher" determinadas coisas e, quando não as "escolhemos", sofremos represálias - seja da Igreja, do Estado, da família, do mercado de trabalho ou dos círculos de sociabilização que integramos.
     Para o feminismo liberal, quando a mulher "consente" não há estupro. Para o feminismo radical, há que se analisar friamente a diferença entre ceder, apesar de desejar outra coisa, e querer - fazer o que quer. Quando uma mulher está em situação de prostituição, portanto, para o feminismo radical está sendo vítima de estupro. O fato de ela ter "consentido" com aquela relação sexual não quer dizer que ela não o fez mediante coação - financeira e social.
     Para o feminismo liberal, quando a mulher intervém no próprio corpo aproximando-o do padrão de beleza hegemônico ela está exercendo liberdade de escolha sobre si. Para o feminismo radical, ela está meramente expressando algo para o que ela foi condicionada.
     Para o feminismo liberal, as mulheres hetero - TODAS as mulheres hetero - se relacionam com homens porque querem, porque gostam, e isso tem que ser respeitado. Para o feminismo radical, todas as pessoas nascidas na sociedade atual foram condicionadas à heterossexualidade igualmente. Algumas são de fato hetero e outras estão apenas reproduzindo um comportamento aprendido, mas estariam melhor se fossem bissexuais ou lésbicas. Elas não escolheram meramente. Elas foram ensinadas que fazer o contrário é pecado, que poderia acarretar expulsão de casa, que era sinônimo de fracasso ser lésbica porque é sinal de que "nenhum homem te quis", enfim, isso é coação. Há muito sexo hetero que parece ser demandado pela mulher que é, na verdade, demandado por uma sociedade que a colocou em desespero para fazer aquilo para se sentir aceita e amada. 
     Para o feminismo liberal, portanto, agimos de acordo com o livre-arbítrio dado por Deus, enquanto que para o feminismo radical estamos inseridas em estruturas que moldam a nossa vontade. Antes de agir, uma feminista radical coloca a sua vontade em questão. Eu quero isso porque sim ou porque fui condicionada a querer? Eu quero me depilar ou me convenceram de que eu quero, sendo que na verdade não? Eu quero ter um namorado ou todo mundo à minha volta quer que eu tenha um e eu internalizei essa vontade?
     O feminismo liberal, portanto, quase que desconsidera o processo de internalização da opressão (quando a oprimida traz para dentro de si a voz do opressor). Para mim, essa é a diferença entre o feminismo liberal e o radical que explica todas as outras.

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