quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A questão não é se o dinheiro traz felicidade ou não



      As revistas femininas estão sempre cheias de exemplos de mulheres bem-sucedidas, que foram longe na carreira, ganharam dinheiro, ocuparam cargos de chefia e... largaram tudo, ou quase isso, em nome da "felicidade". Perceberam que o trabalho estressava demais, distanciava da família, tirava o tempo e o sono, e concluíram que não compensava. Resolveram apostar em um estilo de vida com menos sobrecarga, para serem mais mães, mais domésticas e mais felizes. Afinal, diz a máxima, dinheiro não compra felicidade.
    É universalmente sabido que há pessoas felizes e infelizes de todas as faixas de renda, das mais abastadas às mais pobres. Mas esse não é o cerne da questão. Considerem os seguintes fatos:


- mulheres ganham menos que homens mesmo para exercer a mesma função, com a mesma carga horária tendo escolaridade igual ou superior


- a imensa maioria dos cargos de chefia são ocupados por homens
- mulheres têm mais dificuldade para obter promoções
- mulheres são a maioria dos desempregados
- mulheres são a maioria dos trabalhadores sem registro em carteira
- mulheres são a maioria dos trabalhadores terceirizados
- a quase totalidade do trabalho em regime de escravidão no mundo hoje é exercido por mulheres que são prostituídas de forma escrava, o restante são homens escravizados para serviços braçais
- meninas são incentivadas desde os primeiros anos a desenvolverem habilidades apenas nas carreiras menos promissoras: professora, babá, enfermeira, etc



     Quando uma mulher consegue vencer TODOS esses dados da realidade, elas o fazem sendo bombardeadas constantemente pelo mito de que assim elas vão ser "infelizes". Não podemos ter dinheiro, porque priorizar a carreira e não a família é egocêntrico, porque ficamos intimidadoras para os homens, porque assim vamos ficar solteiras, porque homens não gostam de se relacionar com mulheres que ganham mais (e se você fica com um cara que ganha menos é porque é interesseira), porque é impossível conciliar trabalho e maternidade, porque vamos nos arrepender se não tivermos filhos só quando já estivermos velhas demais para reverter a situação, porque... 


     porque os homens querem monopolizar o dinheiro do mundo. Afinal, no capitalismo tudo depende de quanto dinheiro você tem.
     A questão não é se o dinheiro "compra felicidade". A questão é que o dinheiro é a via de acesso à autonomia e a toda forma de poder na sociedade atual. Esta é uma sociedade que faz com que as muito poucas que conseguem ir mais longe acabem desistindo e concluindo que não vale a pena. É verdade que alcançar um posto de grande responsabilidade em uma empresa é extremamente trabalhoso e requer um investimento de tempo que vai fazer com que outros aspectos da vida fiquem preteridos.
     Mas não há uma mídia de massas fazendo os homens se sentirem culpados por serem pais ausentes; dizendo-lhes que eles precisam "encontrar um equilíbrio" entre família, lazer e trabalho; mandando-os repensar se é isso que eles "realmente querem" ou se, no fundo, estão apenas sendo competitivos demais; não há toneladas de mídia mandando os homens serem mais humanos, mais solidários, e pensarem mais no que "realmente importa" e no que "realmente traz felicidade".
     Aparentemente, se o que "realmente traz felicidade" são a família, o lazer e "as coisas simples", para a mídia de massas os homens podem continuar perfeitamente infelizes, contanto que continuem monopolizando a grana, não é? 



      Longe de mim condenar as escolhas de vida das mulheres que fizeram a opção de abandonar ou abrandar a carreira em troco de mais tempo livre. Inclusive porque estou mais preocupada com aquelas que não podem se dar a esse luxo - as que trabalham mais de 8 horas por dia inapelavelmente para ter o que comer, onde morar, como se medicar, como sustentar a prole. E as últimas são exploradas pelas primeiras - se eu tivesse que condená-las por alguma coisa, seria por isso. Alguém limpa a casa, em troca de um salário precário, enquanto as executivas galgam degraus na carreira, e esse alguém não é o marido.
     Porém, ainda considerando que a prioridade são as mulheres trabalhadoras, acredito que o que as revistas femininas têm a dizer sobre mulheres bem-sucedidas na carreira é algo que merece ser analisado e pensado pelo movimento feminista sim. Se o dinheiro não compra felicidade, certamente a discriminação nos postos de trabalho também não.


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