sábado, 28 de setembro de 2013

Prostituição: direito das mulheres ou direito sobre as mulheres? Elaine Audet

por Elaine Audet, tradução de  hembrista@riseup.netStella, um grupo de Montreal criado em 1995 que advoga para o direito das mulheres que são prsotituídas, tem demandado que a prostituição seja completamente descriminalizada e que haja um reconhecimento das "trabalhadoras sexuais". Essa posição não é aceita com unanimidade. De fato, para maior parte das feministas, prostituição é vista como uma conseqüência da exploração sexual de mulheres, sendo necessário que prostituição seja abolida e haja criminalização dos clientes e cafetões.

Neste necessariamente breve artigo, eu vou focar na prostituição de mulheres adultas, tocando apenas incidentemente a prostituição de homens e crianças e o tráfico internacional de mulheres.

Desde os 70, tem havido uma tendência em torno do reconhecimento do conceito de "trabalhadoras sexuais" no Quebec, Europa e Estados Unidos. Ver prostitutas como "trabalhadoras sexuais" sugere que elas são meramente trabalhadoras providenciando um serviço "social" e deveria ser dado, então, os mesmos direitos que outros trabalhadores explorados que são esmagados pelas forças da globalização, e tornados em objetos mercantilizáveis.

No Quebec, membros da Stella têm falado alto em favor da liberação da prostituição. Eles rejeitam a idéia de que prostitutas deveriam ser treinadas como vítimas e dizem que maior parte das prostitutas tiveram livremente escolhido esse papel, encontrando em seu trabalho uma fonte de empoderamento. Sem dúvida, prostitutas têm uma grande coragem. Testemunhas dessas mulheres, como aquelas nas memórias de prostituição de Jeanne Cordelier, iluminam isso:
"Quando a porta do quarto bate, não há escapatória…Sem saída, sem saída de emergência."¹ Mas a despeito dessa coragem, e os clamores de Stella, não há espaço para ceticismo, especialmente quando o relatório de um estudo internacional mostra que 92% das prostitutas deixariam a prostituição se pudessesm².

Um deslize gradual em torno da desumanização


Em debates sobre prostituição, todas palavras são escolhidas, em particular os conceitos de direitos, escolha livre, trabalhadoras sexuais. Considerando o último citado, por exemplo, a ex-prostituta francesa, Agnes Laury, acredita que  vendo essas mulheres como "mercadorias vendidas por homens a homens"³ estaria mais perto da realidade.

Nós vivemos numa sociedade consumista/de consumo onde a prioridade vai para o individualismo e para o consumo irrestrito de pessoas e coisas, e baseada no consumo uns dos outros. Em tal contexto, ver prostitutas como trabalhadoras serve para encobrir a oposição feminista ao marketing de mulheres numa escala global. Isso permite os cafetões afirmarem que mulheres fazem isso por "escolha", e mesmo por "gosto", então escondendo o que todos estudos demonstram: que mulheres prostituem a si mesmas por necessidade.

Cultura Patriarcal reside no princípio de que o dever único, e fonte de poder, de mulheres é satisfazendo homens sexualmente em casamento e por prostituição. A existência de prostituição, e ver isso como "trabalho sexual" esconde a extensão desta como escravidão sexual e reforça a noção de que mulheres são meros objetos intercambiáveis que devem ser acessíveis e preparadas para todos homens a toda hora e todo lugar.

Os interesses em aposta

Quando nós consideramos quem iria lucrar com a liberação da prostituição, se torna claro que NÃO seriam as mulheres prostituídas ou mulheres em geral. Ao invés disso, os beneficiários serão os cafetões, os traficantes, o crime organizado, clientes, e todos estes que vêem a sexualidade como nada além dum ato mecânico, privado de reciprocidade ou qualquer responsabilidade. Liberação não apenas beneficiará eles, mas também qualquer um que quiser ser apto a tomar poder sobre uma mulher.

É claro, é impossível falar sobre prostitutas como um todo; suas situações divergem consideravelmente de acordo com se elas são chamadas garotas, acompanhantes, dançarinas nuas, strippers, seja se trabalham nas ruas ou em salões de massagem; seja se são autônomas, ou precisam dar maior parte do dinheiro que ganham a um cafetão.

Garotas são frequentemente recrutadas para prostituição em torno dos 13 anos quando muitas foram feitas vulneráveis por violência, pobreza, desemprego, e drogas nos ambientes em que vivem. A maioria experimentou desnudamento forçado por cafetões e membros de gangues de rua que procuram despersonalizar uma mulher até que ela perca a habilidade de agir por sua própria iniciativa ou mesmo pensar por si mesma.


Muitas meninas passaram tempo em abrigos, casas de reforma ou prisões, mais da metade têm adicção por drogas. Vivendo e experimentando tais circunstâncias, como pode alguém falar sobre a escolha livre de uma menina/mulher de ser prostuída?

Numa escala internacional, os rendimentos em prostituição estão em torno de 72 bilhões de dólares por ano, agora mais lucrativos do que tráfico de armas e drogas. Isso traduz-se em milhões de dólares no Canadá, onde um cafetão coleta em média $144,000 por ano de cada uma das mulheres em situação de prostituição(4). Em torno de 5.000 a 10.000 pessoas em Montreal fazem sua vida no negócio da prostituição, muitas outras têm interesse na expansão de tal mercado lucrativo. E dadas as conexões, esses potenciais lucradores da prostituição têm os recursos financeiros e midiáticos para desviar críticas legítimas da prostituição e para exagerar a importância da divisão dentro do movimento feminista por adotar a posição de uma minoria da "livre escolha" que pretende falar por todas as prostitutas. Ao fazer isso, eles dão suporte para a liberação para que retenham seu próprio controle.

O corpo mercantilizado

O presente movimento de liberação da prostituição está enraizado no movimento geral para livre tráfico, troca comercial, e serve esta aproximação neoliberal por fabricar a prostituição como algo "bom" para a economia. Deste modo, na mídia e no Reino Unido, há uma crescente tendência a apresentar a indústria de sexo como uma solução para os problemas econômicos ou, mais que isso, como um caminho ao desenvolvimento.

Considerando isso, é no interesse da Organização Mundial do Trabalho (OMT) sediada no Reino Unido que promoveu um relatório em 1998 que apoiava a legalização da prostituição porque: "A possibilidade de um reconhecimento oficial poderia ser extremamente útil para estender a rede de taxação (de impostos) para encobrir mais das atividades lucrativas conectadas com isso. (5)". Esta posição é clara sobre a admissão de que sexo é uma indústria e que isso pode contribuir diretamente e indiretamente, e em suas formas estendidas, para empregar, para rendimento nacional, e crescimento econômico.

Prostituição constitui uma das formas mais violentas de opressão coletiva sobre mulheres e, com pouquíssimas exceções, é sempre sobre controle coercitivo de cafetões (6). Então, como podemos invocar o uso livre do corpo próprio de alguém como um direito humano quando as condições nas quais prostituição é praticada são tais que explicitamente violam o respeito e a dignidade da pessoa reconhecida pela Convenção para a "Repressão do tráfico de seres humanos e a exploração de alguém na prostituição", adotado em 2 de Dezembro de 1949 pelas Nações Unidas?


Muitas prostitutas, quebrando a genérica "Lei do Silêncio" que as envolve, falaram sobre sua constante exposição a toda sorte de humilhações, agressão física e sexual, e assalto, assim como a"`Roleta Russa" de relações sem camisinha ou outras proteções. E mesmo se nem todos homens são violentos, aqueles que procuram sexo com prostituas necessariamente compram o poder para ser violento com impunidade. "Eu estava com medo, consciente de que a situação poderia se tornar incontrolável a qualquer momento", diz a prostituta do Quebec (7). Mais ainda, "As garotas espancadas que não apresentam nenhum queixa estão devolvendo a mensagem de que prostituição é um acordo empacotado…que alguém deve aceitar até mesmo o inaceitável (8)." Até quando o direito dos homens continuará a ser sistematicamente confundido com Direitos Humanos?


Muitos dos que argumentam pela liberação total da prostituição tentam desacreditar feministas que são opostas a essa posição dizendo que em última instância são moralistas, portanto, vitimizantes e estigmatizantes das prostitutas. Todavia, neo-abolicionistas não são responsáveis pelas condições de trabalho das prostitutas ou pela hostilidade daqueles que vêem sua vizinhança transformada num mercado aberto de mulheres e drogas. Por que nós não temos sido aptas a extirpar as causas do problema,
devemos legitimar suas conseqüências?

Trilhas para ação

Nenhum indivíduo pode ficar indiferente ao problema que, no fim, diz respeito e toca a nós todas. Está claro que qualquer que ele seja, a liberação da prostituição (e de cafetões e clientes) como demandado por Stella, não vai providenciar uma alternativa real para a crescente miséria de prostitutas e deve mesmo fazer as coisas somente piorarem ainda mais.


Similarmente, há o bloco da proposição quebeconiana para um retorno aos bordéis. Essa "solução" tornaria o Estado o principal cafetão, um paralelo de como o Estado tem substituído a Máfia nos cassinos provincianos. O exemplo da Holanda mostra que legalização institucionaliza e legitima a "indústria" do sexo, deixa cafetões mascarados como chefes de trabalho e "homens de negócios" legais, e racionaliza o marketing de prostitutas localmente e transnacionalmente.

A única esperança para melhoria da maior parte das prostitutas e acabar com o marketing de mulheres reside no exemplo providenciado pela Suécia que, em 1999, passou uma legislação que criminalizou cafetões e clientes, mas não as prostitutas. Essa política levou a uma redução pela metade no número de prostitutas, mesmo se isso não sucedeu-se completamente na erradicação da prostituição sub humana. No entanto, o governo suíço continua a preserverar seus esforços por constantemente injetar novos fundos para programas de desintoxicação, reinserção de prostitutas, e educação dos clientes. Do interesse, e encorajador, é que o Lobby Europeu de Mulheres, compreendendo em torno de 3500 grupos, têm encorajado a adoção por outros governos de uma posição similar à da Suécia. (9).

No Quebec, há um consenso de que os governos de todos os níveis deveriam parar de agir em torno das prostitutas como se elas fossem criminosas e, ao invés disso, dar a elas acesso a serviços de saúde, sociais, legais e de segurança que estão requerindo. Debates em torno de grupos no assunto da criminalização de clientes, cafetões estão já sendo submetido às leis canadenses, mesmo se estas tiveram até agora sido aplicadas apenas em formas realmente limitadas.

Quebec pode achar inspiração na experiência da Suécia e nas aproximações de cidades como Toronto e Vancouver onde há esforços de dar à prostitutas a ajuda e proteção de que precisam, colocar em questão os meios de resistência a cafetões e traficantes (geralmente os mesmos), e a dissuadir e sensibilizar clientes. A abolição da prostituição pode apenas ser uma estratégia objetiva a longo prazo, mas nós precisamos agora questionar todas relações sociais, econômicas e sexuais de dominação e tomar os passos imediatos para lutar contra pobreza e violência contra mulheres.

"Para sair fora disso", diz a sobrevivente de prostituição Agnes Laury, " é preciso uma vontade inabalável de não voltar atrás no seu caminho, ser ajudada e no mais das vezes, romper totalmente com o habitat anterior"(10). De forma simples, para "sair fora disso" é passar do estado de vítima para o de `sobrevivente', de uma mulher que luta. É tempo de todos nós quebrarmos o silêncio em torno da compra de serviços sexuais e perguntar se este não é na verdade o poder discricionário de homens à violência sexual que sublinha a prostituição, e não a escolha das mulheres. Analisar prostituição desta forma não é uma matéria de puritanismo, mas perguntar por questões éticas fundamentais sobre comércio de humanos. Ao invés de invocar uma "escolha livre" de alguém vender o seu corpo, um falso pretexto para justificar a prostituição, não poderíamos chamar pelo princípio humanitário de um limite livremente aceito para o uso de humanos como mercadorias, como foi feito em face do escravismo, para abolir o marketing tanto da sexualidade quanto da reprodução?


Notas
1 Françoise Guénette, entrevue avec Gunilla Ekberg, « Le modèle suédois », Gazette des femmes, mars-avril 2002, Vol. 23, no 6.

2 Jeanne Cordelier, La dérobade, Paris, Hachette, 1976.
3 Agnès Laury, Le cri du corps, Paris, Pauvert, 1981.
4 Conseil du statut de la femme, La prostitution : profession ou exploitation ? Une réflexion à poursuivre, juin 2002. Gazette des femmes . Ce document est disponible en version intégrale (pdf) ou en version synthèse (pdf).
5 Lin Lean Lim, The Sex Sector : The Economic and Social Bases of Prostitution in Southeast Asia, Genève, Organisation internationale du travail (OIT), 1998. Janice Raymond, Legitimating prostitution as sex work : UN Labor Organization (ILO) calls for recognition of the sex industry, 1998
6 Delphine Saubaber, « Paroles d'anciennes », L'Express, 22.08.02.
7 La parole aux prostituées
8 Ibid.
9 Françoise Guénette, entrevue avec Gunilla Ekberg, « Le modèle suédois », Gazette des femmes, mars-avril 2002, Vol. 23, no 6.
10 Les survivantes