As revistas femininas estão sempre cheias de exemplos de mulheres 
bem-sucedidas, que foram longe na carreira, ganharam dinheiro, ocuparam 
cargos de chefia e... largaram tudo, ou quase isso, em nome da 
"felicidade". Perceberam que o trabalho estressava demais, distanciava 
da família, tirava o tempo e o sono, e concluíram que não compensava. 
Resolveram apostar em um estilo de vida com menos sobrecarga, para serem
 mais mães, mais domésticas e mais felizes. Afinal, diz a máxima, 
dinheiro não compra felicidade.
 
   É universalmente sabido que há pessoas felizes e infelizes de todas 
as faixas de renda, das mais abastadas às mais pobres. Mas esse não é o 
cerne da questão. Considerem os seguintes fatos:
- mulheres ganham menos que homens mesmo para exercer a mesma função, 
com a mesma carga horária tendo escolaridade igual ou superior
- a imensa maioria dos cargos de chefia são ocupados por homens
- mulheres têm mais dificuldade para obter promoções
- mulheres são a maioria dos desempregados
- mulheres são a maioria dos trabalhadores sem registro em carteira
- mulheres são a maioria dos trabalhadores terceirizados
- a quase totalidade do trabalho em regime de escravidão no mundo hoje é
 exercido por mulheres que são prostituídas de forma escrava, o restante
 são homens escravizados para serviços braçais
- meninas são incentivadas desde os primeiros anos a desenvolverem 
habilidades apenas nas carreiras menos promissoras: professora, babá, 
enfermeira, etc
     Quando uma mulher consegue vencer TODOS esses dados da realidade, 
elas o fazem sendo bombardeadas constantemente pelo mito de que assim 
elas vão ser "infelizes". Não podemos ter dinheiro, porque priorizar a 
carreira e não a família é egocêntrico, porque ficamos intimidadoras 
para os homens, porque assim vamos ficar solteiras, porque homens não 
gostam de se relacionar com mulheres que ganham mais (e se você fica com
 um cara que ganha menos é porque é interesseira), porque é impossível 
conciliar trabalho e maternidade, porque vamos nos arrepender se não 
tivermos filhos só quando já estivermos velhas demais para reverter a 
situação, porque... 
     porque os homens querem monopolizar o dinheiro do mundo. Afinal, no capitalismo tudo depende de quanto dinheiro você tem.
     A questão não é se o dinheiro "compra felicidade". A questão é que o
 dinheiro é a via de acesso à autonomia e a toda forma de poder na 
sociedade atual. Esta é uma sociedade que faz com que as muito poucas 
que conseguem ir mais longe acabem desistindo e concluindo que não vale a
 pena. É verdade que alcançar um posto de grande responsabilidade em uma
 empresa é extremamente trabalhoso e requer um investimento de tempo que
 vai fazer com que outros aspectos da vida fiquem preteridos.
     Mas não há uma mídia de massas fazendo os homens se sentirem 
culpados por serem pais ausentes; dizendo-lhes que eles precisam 
"encontrar um equilíbrio" entre família, lazer e trabalho; mandando-os 
repensar se é isso que eles "realmente querem" ou se, no fundo, estão 
apenas sendo competitivos demais; não há toneladas de mídia mandando os 
homens serem mais humanos, mais solidários, e pensarem mais no que 
"realmente importa" e no que "realmente traz felicidade".
     Aparentemente, se o que "realmente traz felicidade" são a família, o
 lazer e "as coisas simples", para a mídia de massas os homens podem 
continuar perfeitamente infelizes, contanto que continuem monopolizando a
 grana, não é? 
      Longe de mim condenar as escolhas de vida das mulheres que fizeram a
 opção de abandonar ou abrandar a carreira em troco de mais tempo livre.
 Inclusive porque estou mais preocupada com aquelas que não 
podem se dar a esse luxo - as que trabalham mais de 8 horas por dia 
inapelavelmente para ter o que comer, onde morar, como se medicar, como 
sustentar a prole. E as últimas são exploradas pelas primeiras - se eu 
tivesse que condená-las por alguma coisa, seria por isso. Alguém limpa a
 casa, em troca de um salário precário, enquanto as executivas galgam 
degraus na carreira, e esse alguém não é o marido.
     Porém, ainda considerando que a prioridade são as mulheres 
trabalhadoras, acredito que o que as revistas femininas têm a dizer 
sobre mulheres bem-sucedidas na carreira é algo que merece ser analisado
 e pensado pelo movimento feminista sim. Se o dinheiro não compra 
felicidade, certamente a discriminação nos postos de trabalho também não.
















