segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Feminista e bem comida

 


Para começar preciso dizer que este texto é absolutamente inadequado para menores de idade.

Pois bem. Dizem muito por aí que feministas são mulheres "mal comidas". Como uma mulher feminista de longa data que já foi muito, mas muito bem comida, gostaria de dizer que tenho muito a dizer sobre esse mito.

Tem quem ache que, por sentir atração sexual por mulheres e ter relações sexuais com mulheres, "gosta de mulher". Pois eu digo que há centenas de homens que fazem essas duas coisas e não gostam de mulher coisíssima nenhuma. Têm nojo de buceta, têm nojo de peitos, têm nojo do cheiro do corpo de uma mulher... e, mais ainda, do intelecto, da personalidade e dos sentimentos das mulheres.

Tem homem que tem nojinho de acariciar a parceira com os dedos. É só o pênis com camisinha e olhe lá. Tanto nojo que odeiam a idéia de fazer sexo oral, ou estimulam a parceira dessa forma apenas um pouquinho, por obrigação, com a pontinha da língua. Com licença, eu já fui muitíssimo bem chupada e muitíssimo bem acariciada e digo que gostar de mulher é muito diferente de gostar apenas e tão-somente do canal vaginal. Mulher tem clítoris. Tem grandes lábios, tem pequenos lábios. Tem monte de vênus.


Tem homem que não gosta de seios caídos, não gosta de seios grandes demais, não gosta de seios pequenos demais, não gosta de seios de tamanhos levemente diferentes, nem de mamilos planos, nem de mamilos invertidos, nem de mamilos escuros, nem de peitos com estrias, nem de peitos com cicatriz de silicone, enfim, não gostam de peito NENHUM. Nenhum, gente. Só aprendeu a gostar de imagens digitalmente editadas. Tem homens hetero que me dão vontade de gritar "péra lá, quem gosta de mulher aqui sou eu!! Você gosta de fotos da Playboy, já mulher, meu camarada... mulher é OUTRA coisa. GRAÇAS A DEUS!!"

Mulheres não são planas, unidimensionais, nem feitas de celulose e tinta, como certas fotos por aí. Favor não confundir uma coisa com a outra.

Tem homem que não gosta de grande demais, larga demais, de mulher que já passou por parto normal, de grandes lábios grandes demais, "para fora" demais; escuros demais. Enfim, não gosta de buceta. Nenhuma é bonita, a não ser que passe por depilação e vaginoplastia, sendo que ambos os procedimentos infantilizam a genitália feminina, fazendo-a ficar com a aparência típica de uma idade anterior à puberdade. Isso, minha gente, não é gostar de mulher. É gostar de criança e é pedofilia.

Não gostar de buceta não depilada se equivale estritamente a não gostar de buceta. Só querer fazer sexo oral em mulher depilada é uma chantagem infantil para amarrar mulheres a comportamentos e estéticas artificiais. Só querer fazer todo e qualquer sexo com mulher depilada, então...! Bonecas de plástico, minha gente. Por favor. Admitam que é isso que vocês querem - nós, mulheres de proteína, carboidrato, gordura, água, sais, não temos a menor obrigação de nos plastificarmos para nos encaixarmos no gosto de ninguém.

Fui particularmente bem comida pelo cara com quem tive a minha primeira vez. Ele colocou todos os dedos no meu corpo antes de tirar a minha roupa, lambeu os dedos, ficou enlouquecido com o cheiro. Colocou a mão sob o meu nariz. "Está sentindo? É o seu cheirinho." E respirou forte, sugando cada partícula de ar. Eu achei o cheiro levemente enjoativo, ele achou profundamente excitante. Isso é gostar de mulher. Gostar de mulher com o odor neutralizado por sabonete íntimo é outra coisa. Ooooooooooooooutra coisa, meu bem. E ainda há mulheres que aderem: abusam dos absorventes anti-odor, dos sabonetes neutralizadores de cheiro, dos lencinhos, etc. E isso não é nem normal, nem saudável.

Já o homem com quem transei por último acariciou a penujem das minhas pernas (que nunca foi clareada) com a maior doçura quando tudo terminou. Ele deslizava as mãos pelas minhas coxas, pelas minhas canelas, fazia cócegas atrás dos meus joelhos... nenhum daqueles pêlos o incomodava em nada.

Para poder dizer que gosta de mulher, por favor, goste de tudo o que é inerentemente feminino. Isso inclui vagina e todos os seus arredores, peitos, pêlos, os odores do corpo, a menstruação, a gravidez, a amamentação, tudo.

E, mais do que isso. Mulher tem personalidade, valores, cérebro, experiências, gostos e personalidade. Qualquer um que queira menos do que isso não merece que a gente se dê ao trabalho de ficar empregando empenho em agradar ou satisfazer.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Meu feminismo não deve satisfação para mascu - Outra abordagem



     Falei no texto anterior sobre achar um erro que o movimento feminista fique se justificando perante os masculinistas, mas não acredito ter esgotado o assunto. Para o texto não se estender muito, escrevo um segundo texto abordando outro aspecto dessa temática.
     Há um mito da mulher ideal, gentil, generosa, boa, carinhosa, linda, etc. Há, também o estereótipo da feminista: gorda, peluda, feia, arrogante, paranóica, agressiva, e lésbica. Esse segundo, tão distante do primeiro padrão, é muito divulgado como aquilo que as feministas realmente são e muitas estão engajadas numa luta para melhorar a imagem do movimento, desmentir essas acusações.
     O esforço em mostrar que as feministas não são monstros, não querem dominar os homens, não querem passar a ser violentas com eles, etc faz com que, quando a luta contra o patriarcado se torna mais acirrada, e o uso da força se torna necessário, muitas feministas recuem, pelegando, em nome da imagem pública "limpinha e cheirosinha" do feminismo ser preservada.
     Em primeiro lugar, para se preservar uma imagem precisa pré-existir, e não existe uma imagem imaculada do feminismo a ser preservada. A imagem do movimento feminista sempre será ruim, e ele sempre será mal-visto, se não pelos mitos acima, por outros. Ficar combatendo a má imagem do movimento é um desperdício de energia e uma grande falta de foco, porque enquanto os homens estiverem sozinhos no poder, donos da mídia de massas, eles sempre irão difundir uma imagem negativa de quem luta contra isso. Se convencermos a todos de que não somos peludas, dirão que somos outra coisa, e eles têm muito mais poder que nós para divulgar imagens, textos, vídeos.
     Não podemos recuar e travarmos um combate que, na prática, não ameaça o poder hegemônico, por só se utilizar de palavras (doces), gentileza, esclarecimento, etc. Temos que usar a força, como a institucional (prisões, multas, etc) e a auto-defesa. As artes, os discursos, as aulas, são recursos que somam ao movimento, mas não são os únicos válidos.
     A idéia de que as feministas são fora do padrão estético estabelecido pela mídia burguesa também não deveria ser um problema para nenhuma de nós. Esses dias, eu estava procurando perfis de feministas no Twitter para adicionar, quando me deparo com uma bio que dizia "feminista - do tipo que se depila". Qual a relevância disso? Ao fazer coisas como essas não estamos, afinal, reiterando a invalidade de a mulher decidir o que fazer com o próprio corpo?
     E daí se formos gordas? E daí se formos peludas? Mas, mais importante do que tudo o que eu disse até agora: e daí se formos lésbicas?
     Para mim, o mais nocivo dos comportamentos de dar satisfação aos masculinistas é jurar de pés juntos que não se odeia homens, até sou casada com um, tenho dois filhos homens que eu amo, etc. A resposta não-lesbofóbica para as assertivas masculinistas é: muitas feministas são lésbicas SIM e isso NÃO é um problema. 
     O feminismo que não rompe com a heterossexualidade compulsória não é emancipador de todas as mulheres, nem é um aliado adequado para o movimento LGBT. Não adianta nada ter uma página feminista no Facebook, 60% das suas publicações serem contra a homofobia, 30% contra o racismo, 10% serem publicações feministas, e quando alguém for comentar nessas poucas publicações que somos um bando de sapatas, negar enfaticamente. Isso contribui para a invisibilidade lésbica, pois se nem no movimento de luta pelos direitos das mulheres há lésbicas, onde elas estão então? No mais absoluto escuro, se é que existem.
     Dar satisfação para machistas e masculinistas a respeito da nossa (hetero)sexualidade é perder uma excelente oportunidade de combater a invisibilidade lésbica e, mais que a invisibilidade, a condenação sobre elas. 
     Se você se depila, se você é hetero, se você é magra, não enfatize isso nos debates. Enfatize que o movimento feminista é composto por mulheres diversas, e que diferente do resto da sociedade na qual ele se insere essa diversidade é bem-vinda.

Meu feminismo não deve satisfação para mascu



     O machismo é amplamente difundido na sociedade como um todo, mas sua vertente mais coerente, ou mais radical, o masculinismo, tem tomado mas espaço nas últimas duas décadas através do ciberativismo. Através dele, trava um diálogo com as feministas, acusando-as de hipocrisia, de quererem submeter os homens, de não se ocuparem dessas e aquelas causas que são de interesse masculino por misandria, etc.
     Uma parte da educação machista que mulheres recebem é para doutriná-las a cuidar dos homens, dar atenção mais às demandas deles do que às suas próprias. A mãe mártir que se sacrifica pela cria e a esposa perfeita que apenas cede sem jamais contestar são dois exemplos de arquétipos muito fortes na nossa sociedade. Somos educadas para cuidar dos outros, dos bebês, dos irmãos mais novos, do futuro marido, do marido enfim, dos filhos, e continuamos a cuidar deles depois que são adultos. Cuidamos dos doentes da família e das pessoas idosas, só não cuidamos de nós mesmas.
     É dentro dessa aculturação machista que podemos entender o comportamento de certas feministas de dar atenção aos mascus, respondê-los, argumentar com eles, se justificar perante eles. Dar provas de que somos contra meia-entrada para mulheres nas festinhas, fazer campanha contra o serviço militar obrigatório, perder tempo com o mito de que mulheres têm prioridade em botes salva-vidas... Tudo isso, entre outros, são desvios de foco e energia, no seu aspecto menos grave, e no mais grave uma cooptação do movimento de mulheres para que ele faça o trabalho dos homens por eles.
     Já arrumamos o que os homens bagunçam, cozinhamos o que eles comem, limpamos as roupas que eles sujam e assim por diante (de conjunto, enquanto mulheres, embora você leitora especificamente não faça isso).  Não precisamos lutar as lutas que eles não lutam, e secundarizar as nossas.
     Criei um conceito que acredito ser útil para a análise da nossa realidade e acredito que ele pode ser muito positivo para o movimento se começar a ser usado: a idéia de que o machismo, bem como outras formas de opressão, possui subprodutos. Explico.
     Uma sociedade machista se reivindica um justo regime igualitário, no qual a mulher, encarregada da casa e dos filhos, se equivaleria ao homem, encarregado do sustento da família através do trabalho remunerado. Um não seria menos importante que o outro pois haveria uma complementariedade. As mulheres teriam que desenvolver as características mais adequadas à tarefa social que lhes foi destinada, e seriam elas a doçura, a delicadeza, a beleza, etc. Já os homens desenvolveriam a força, a coragem, o espírito de luta, etc.
     Sabemos que isso não é igualitário e que os homens se beneficiam de várias maneiras. Porém, nenhum sistema é 100%. Se você prestou atenção às aulas de Física, deve se lembrar que não existe transformação de energia livre de desperdício. O ventilador transforma energia elétrica em energia mecânica de movimentação das pás que nos aliviam do calor, mas uma parte dessa energia se perde na produção de ruído. A lâmpada transforma a energia elétrica em luminosa, mas só predominantemente, pois uma parte vira energia térmica - se você tocar uma lâmpada acesa há muito tempo, pode se queimar. Uma grande quantidade de energia é empregada em dominar mulheres, mas uma parte disso acaba prejudicando, ainda que em pequena medida, aos próprios homens. 
     O mito do macho forte e dominante que é assertivo, corajoso, destemido, resistente, bruto, violento e insensível é perfeito para o exercício da força contra mulheres, mas tem como subproduto uma obrigatoriedade de o homem não demonstrar fraqueza.
     A divisão de todas as coisas do planeta entre coisas de mulher X coisas de homem, num modelo maniqueísta o qual o primeiro lado é evidentemente o inferior promove duas coisas. A primeira é que aquilo que tem mais valor é creditado ao homem: as atividades de trabalho e esportivas melhor remuneradas, as brincadeiras que dão mais liberdade, as roupas mais confortáveis, etc. A segunda é que as coisas marginalizadas são destinadas apenas às mulheres, e os poucos homens que fazem uma questão absoluta de colocar uma blusa rosa ou dançar ballet serão vistos como homens que abraçam a marginalidade e a inferioridade - e serão censurados por fazê-lo, para que o patriarcado não perca braços de trabalho para a causa oposta.
     O mito do macho pegador que tem relação sexual com muitas mulheres, é infiel, polígamo, viril, etc dá  liberdade para os homens exercerem sua sexualidade sem qualquer fronteira - dando margem desde aos desejos mais românticos, com parceira física, até as brutalidades mais hediondas, com mulheres prostituídas. Se um ou outro homem tem problemas de ereção, ejaculação precoce, etc ao invés de assistido ele será penalizado pelo patriarcado.
     Esses são 3 exemplos, mas eu poderia listar muitos. Resumindo, o que eu quero dizer é: masculinistas têm uma estratégia para o movimento feminista. Eles querem que nós limpemos o patriarcado de seus subprodutos inconvenientes para os homens. Para isso, lançam a armadilha de "se você não luta contra este micromalefício do patriarcado para os homens, não quer igualdade de fato. Quando as mulheres ganharem salário igual por trabalho igual, nós vamos ter que continuar pagando meia-entrada nas baladas? Desigualdade!".
     Ganham mais, trabalham menos, ficam desempregados com menos freqüência, não são vítimas de estupro nem violência doméstica quase nunca, não têm suas auto-estimas roubadas pela indústria de cosméticos, sua liberdade sexual é respeitada, etc. E não querem lidar com ônus NENHUM por isso. Como contornar a situação? Colocando as feministas para trabalhar contra o ônus gerado pela incompetência do patriarcado em ser 100% benéfico para os homens sem qualquer contrapartida.
     Os homens têm que fazer um ou outro esforço extra que é um pagamento (ainda que mínimo) pelo privilégio. Não demonstrar fragilidade ou chorar em público, em troca de não ser estuprado; não usar camiseta rosa, em troca de não fazer o serviço de casa; pagar mais para entrar na balada, chegar lá e assediar mulheres nela; passar um ano aborrecedor no serviço militar aprendendo a bater e a se defender, em troca de praticar violência doméstica contra as mulheres impunemente e assim por diante. 
     Tenho certeza que vocês conhecem muitos homens honestos, de bom coração, gentis, românticos, que o parceiro de vocês divide o trabalho doméstico e assim por diante, e que vocês não querem vê-los sofrendo com nada. Por favor, se você é feminista, cure a sua auto-estima primeiro, olhe para o tamanho das próprias feridas abertas, note que 5 anos a mais de trabalho prestado para conseguir direito de aposentadoria não é nada perto do que você sofreu, sofre e ainda sofrerá por conta do machismo. Se emancipe da necessidade de cuidar dos homens. 

PS: a fonte dos dados a imagem é pesquisa do IBGE efetuada em 2011, conforme pode ser observado neste link.