domingo, 20 de outubro de 2013

Movimento feminista - O único movimento social que não faz alianças políticas

Os diversos movimentos sociais, sejam por que causas forem, não conseguem sobreviver sozinhos. Felizmente, eles costumam se aliar a outros, formando redes de apoio mútuo. Vou citar alguns exemplos brasileiros de grupos que se ajudam:

  1. MST, Consulta Popular, Levante Popular da Juventude, Movimento dos Atingidos e Atingidas por Barragens (MAB)
  2. MML, ANEL (Assembléia Nacional dos Estudantes - Livre), CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular Coordenação das Lutas)

Dentre vários outros. Porém, o movimento feminista foge a essa lógica. Para entender o motivo, precisamos entender como o machismo atua em nossas vidas.

No patriarcado, os homens são educados para a autonomia, enquanto as mulheres são educadas para a heteronomia. Isso significa que os homens são educados serem capazes de cuidar de si próprios, enquanto que as mulheres são educadas para cuidar dos outros (mas não de si mesmas), ao mesmo tempo que se mantém tuteladas pelos homens. Assim, as mulheres cuidam dos irmãos mais novos, cuidam da casa que é bagunçada por todos, cuidam do namorado, cuidam do marido, cuidam dos pais na velhice, mas são incapazes de levar uma vida autônoma, tanto no plano material como no plano emocional.

No plano material, as mulheres são doutrinadas para acreditar que são fracas até um ponto em que não conseguem abrir uma lata de conserva; trocar um chuveiro queimado, um galão d'água, um pneu furado ou um botijão de gás; não sobem em escadas para fazer reparos em lugares altos; muito menos praticam esportes de luta, carregam peso ou fazem serviço pesado.

No plano emocional, as mulheres enxergam a si mesmas como aquelas que cuidam, que protegem e que tomam conta, e isso é uma parte vital da nossa identidade. Pensamos a nós mesmas como aquelas que ajudam, e fazemos isso tanto em casa (serviço doméstico, cuidado de crianças e idosos, etc) como fora (profissões como enfermeiras, professoras de ensino infantil, babás, empregadas domésticas, decoradoras, maquiadoras, cabelereiras, etc têm como centro justamente o cuidado com os outros). Em profissões tipicamente masculinas, manda-se nos outros (cargos de chefia), bate-se nos outros (polícia, exército), raciocina-se por aqueles que vão executar o serviço braçal (engenheiros de todas as áreas), conduz-se os outros (motoristas), etc.

O movimento feminista, embora tenha feito vários avanços, conta com mulheres que ainda reproduzem o machismo nas suas próprias vidas e, mais importante, reproduz coletivamente o machismo que tenta combater.

Na reprodução individual do machismo no cotidiano de mulheres feministas, vemos que muitas militantes ainda não conseguiram superar problemas de auto-estima, relacionamentos amorosos violentos, situações de violência doméstica, etc. É natural que seja assim e só dentro do movimento tais mulheres vão conseguir superar essas dificuldades.

Mais complicado do que isso é o movimento feminista, de conjunto, reproduzir o machismo de maneira unificada, como um todo: ele ainda está inserido numa lógica de cuidar do outro mais do que de si próprio. Ele existe para dar conta das demandas femininas, porém assim que aparece uma demanda do movimento negro, do movimento LGBT, do partido de extrema-esquerda no qual a feminista está inserida, do MST, uma causa pelos direitos dos animais, das plantas, das estrelas, o movimento feminista secundariza a própria luta para ser ponto de apoio de uma outra. Por vezes, ainda, diz-se que elas estão abdicando da luta pelos direitos das mulheres para lutar por algo "maior' (o socialismo, o anarquismo, etc).

Esse discurso não é muito diferente da dona-de-casa que deixa de trabalhar por algo "maior" (seu lar), da mulher que não quer ser mãe mas abdica de abortar e de muita coisa na sua vida por algo "maior" (um filho), da mulher que está em um casamento violento mas não se divorcia por algo "maior" (a sagrada instituição do casamento), da mulher religiosa que deixa de ir a festas, de vestir o que gosta, de ter vida sexual ativa por algo "maior" (as doutrinas da Igreja), entre muitos outros exemplos.

Uma sociedade socialista ou anarquista deve ser, por definição, radicalmente igualitária entre toda a humanidade. A causa feminista só não está naturalmente incluída na socialista e na anarquista caso as mulheres não sejam humanas - sejam animais, ou objetos.


O movimento feminista é, dentre todos os movimentos sociais, o único que não faz alianças políticas - ao invés de fazer aliança com o movimento negro, de fazer aliança com o movimento LGBT, o movimento feminista converte-se em capacho dos mesmos.

Aliança política pressupõe apoio MÚTUO. O MST apóia a Consulta Popular, e espera da Consulta que apóie o MST de volta. Caso ela não o faça, ocorrerá um conflito, com possível rompimento da aliança. E a aliança não é passível de ser rompida porque o MST acha a causa que a Consulta defende errada - trata-se da MESMA luta. Porém, o MST não pode ser vampirizado ou parasitado pela Consulta Popular. O movimento feminista, por outro lado, NÃO é apoiado pelo movimento negro, e por vezes não é apoiado pelo movimento LGBT. Muito pelo contrário: é recorrente que negras e lésbicas vítimas de racismo ou machismo sejam expulsas de seus espaços de militância sob o argumento de que, ao reivindicar feminismo nesses espaços, elas estão "rachando o movimento".

Quando defrontadas com esse fato, óbvio para qualquer uma com boa vontade para ver a realidade com clareza, as feministas frequentemente defendem esse comportamento dizendo que lutar contra o racismo e a homofobia não é estratégia política, é uma obrigação moral. Chega a ser hilário que lutar contra o machismo, quando se é negro ou sexodiverso, não seja obrigação moral também! Curiosamente, ninguém cobra a obrigação moral de ser feminista dos demais movimentos - e quando cobra é imediatamente rechaçada. Sem dúvida combater outras opressões é a coisa mais ética, porém não justifica debandar do 8 de março para ir no Fora Feliciano. É possível lutar contra a homofobia e contra o racismo SEM deixar de lutar pelo feminismo. Mas as próprias feministas secundarizam a luta por igualdade entre os sexos, e a colocam no final da lista de prioridades. Se nem as mulheres feministas priorizarem a causa, quem irá? E, sim, é necessário alguém que priorize isso.

Somos mesmo obrigadas a lutar todas as lutas do mundo, e mais ninguém é obrigado a lutar as nossas? Ou classe trabalhadora tem, como um todo, a obrigação de se dar as mãos e lutar para a derrubada do capitalismo sem discriminar pelo sexo quem está junto na luta?

Os partidos de esquerda (PSOL, PCdoB, PCB, etc) merecem um capítulo à parte. Eles geralmente afirmam que a luta feminista é errada porque divide a classe trabalhadora. Nada poderia ser mais absurdo: as mulheres são a maioria da classe trabalhadora, a maioria das pessoas pobres. O que divide a classe trabalhadora é uma parte dela estuprar, espancar e prostituira a outra, não reivindicar que "a classe trabalhadora tem dois sexos" e que é necessário construir uma sociedade igualitária econômica e sexualmente.

A presença do movimento feminista faz toda a diferença nas lutas contra o racismo e a homofobia. Fomos linha de frente em várias dessas lutas, que poderiam não terem sido vitoriosas se não fosse a nossa presença maciça e a nossa atuação ferrenha. Por isso, defendo que o movimento feminista pode usar, como forma de pressão para acabar com o machismo nos meios negro e LGBT, a tática de retirar apoio a quem não nos apóia, devolvendo quando machistas negros ou homossexuais se retratarem da violência que exerceram. Eles fariam o mesmo conosco.

Tenho certeza que alguém virá dizer "não, os movimentos negro e LGBT podem conquistar tudo o que quiserem mesmo sem as feministas". Se isso é verdade, por que nós nos damos ao trabalho? Se somos dispensáveis, por que fazemos esse esforço? Não, não somos dispensáveis nem podemos acreditar nesse discurso que nos desmerece.

Os negros e homossexuais continuam violentos conosco pelo mesmo motivo que os maridos que espancam suas mulheres: eles sabem que não vamos denunciar, que se denunciarmos vamos retirar a queixa, e que eles poderão voltar a fazer o mesmo que nós continuaremos lá, seja para ir a atos, seja para lavar cuecas, como convém tanto àqueles que nos agridem. Que sempre estaremos lá para cuidar deles, das demandas deles, ainda que eles não cuidem das nossas de volta.

Chegou a hora de o movimento feminista parar de fantasiar que os negros e homossexuais são aliados, quando nós nunca vemos o movimento negro e o LGBT agitando suas bandeiras nos nossos protestos, nunca vemos eles presentes nas nossas marchas, nunca vemos eles nos defendendo em discussões presenciais ou virtuais, nunca vemos eles votando a favor das nossas propostas, mas SEMPRE vemos denúncias de machismo nesses movimentos ou nos partidos de esquerda.

A realidade é dura, mas é melhor lidar com ela do que insistir em erros: a maioria dos negros é machista, a maioria dos homens gays e bissexuais é machista, o movimentos LGBT é extremamente excludente com as mulheres lésbicas e bi, o movimento negro destrata as mulheres negras de variadas maneiras, e isso NUNCA vai mudar se nós não EXIGIRMOS que mude.

Exigir que nossos companheiros que também são oprimidos sejam feministas não é imoral, não é errado, não é pecado, é exigir nossos direitos! Respeitar mulheres não é favor, é dever de todo militante social tanto quanto não ser racista nem homofóbica é dever de toda feminista! Chega de falar baixo com agressores!! Agressores são de todas as cores, são de todas as orientações sexuais, lideram movimentos sociais de esquerda e nós não podemos mais aceitar essa situação!