O movimento LGBT é mais recente que o feminista e conta com menos militantes. Não surpreende, já que há muito mais mulheres do que lésbicas, gays e bissexuais. Os inimigos comuns são os mesmos: igrejas conservadoras, Estado que não reconhece direitos e se omite, mídia de massas que estigmatiza. Por que o movimento LGBT tem tido tanto sucesso, e a causa das mulheres continua absolutamente estagnada?
Vamos encarar os fatos: os estupros não têm diminuido, nem o assédio sexual. A desigualdade salarial vem caindo numa velocidade tão lenta que beira mudança nenhuma. Mulheres continuam uma minoria pífia nos cargos de chefia e nas profissões melhor remuneradas. A violência doméstica tem crescido e os assassinatos a mulheres também. A violência obstétrica só agora começa a ser visibilizada em nosso país e a incidência dela é alarmante. O tráfico internacional de mulheres para a prostituição forçada e a prostituição escrava interna continuam em níveis elevadíssimos. O número de mulheres que morrem vítimas de transtornos alimentares só tem crescido cada dia mais. Não estamos nem perto de legalizar o aborto, é mais factível ser aprovado o estatuto do nascituro. Isso porque continuamos uma minoria ridícula das pessoas eleitas na vida política do país. Somos a maior parte das pessoas abaixo da linha da pobreza, a maior parte dos desempregados, a maioria das pessoas com emprego sem registro em carteira, a maioria dos terceirizados e mais frequentemente somos demitidas do que os homens. Trabalhamos de graça no serviço doméstico tanto quanto sempre.
E, tanto nos casos em que a violência cresceu quanto naqueles em que ela se manteve estável, a impunidade não diminuiu. Os crimes contra mulheres continuam tão impunes quanto sempre.
Enquanto isso, lésbicas e gays têm avançado a passos largos. Por quê?
O movimento LGBT soube escolher, das várias coisas importantes, DUAS PRIORIDADES. E lutou ferrenhamente por elas de maneira unificada, ao invés de dispersar forças em várias causas e não dar conta de nenhuma delas. Se todo o movimento feminista nacional se concentrasse em "legalizar o aborto e combater a prostituição escrava", ou em "trabalho igual, salário igual e regulamentação da mídia" (para acabar com a erotização do estupro, a promoção de um padrão de beleza irreal, etc) nós conseguiríamos. Nós somos numerosas o bastante, temos como arrecadar dinheiro o bastante, são causas consensuais o bastante e no entanto não fazemos isso.
Já passou da hora de o movimento feminista parar de lutar pela "igualdade" de maneira completamente genérica e superficial. Como obtemos a igualdade que queremos? Que medidas efetivas podem ser tomadas para reduzir o número de estupros? Que medidas efetivas podem ser tomadas para equipararmos os nossos salários aos dos homens? Muitas feministas não têm um plano concreto, só uma divagação imprecisa das causas e do quanto elas são justas.
2- Eleição de propostas para resolver os problemas prioritários
Este é um blog de uma mulher feminista para mulheres feministas. Você, mulher feminista, responda com sinceridade: como fazer para diminuir os estupros? Qual é o plano? Sabemos o que não fazer, por exemplo, sabemos que não adianta não usar roupas curtas, que não adianta não beber e não adianta não sair a noite.
O que adianta, então?
O pouco de ação prática que já é aceita pelo movimento ninguém pratica, que é a auto-defesa das mulheres, isto é, mulheres aprenderem a lutar, a desarmar, a se desvencilhar quando alguém agarra, etc. Conheço centenas de feministas, mas as únicas que eu conheço que aprendem a lutar são... aquelas que treinam comigo na nossa coletiva de auto-defesa!!
Eu tenho uma série de propostas sobre estupros, são elas
- incentivar as denúncias
- criação de abrigos estatais para mulheres que denunciam e estão ameaçadas de morte
- melhor iluminação nas vias públicas
- incentivo a que mulheres aprendam a lutar
- ampliação do número de delegacias especializadas em atendimento a mulheres vítimas de violência
- reformas no judiciário e no executivo que desburocratizem e diminuam a incidência de impunidade
- criação de lugares oferecidos pelo Estado para o atendimento com psicólogas às vítimas de violência
Alguém é contra? Aposto que não. Se eu chegar e propor isso em qualquer espaço feminista, todas dirão que acharam lindo. Por que ninguém está fazendo algo prático nessa direção? Por que apenas pequenos grupos isolados, sem força e sem voz, lutam por uma ou duas dessas coisas isoladamente, sem repercussão a nível nacional? O que estamos esperando para fazer uma lista de propostas séria para cada um dos problemas que nos acometem e começar a lutar contra eles organizadas e de maneira conjunta?
Temos que eleger quais problemas são uma prioridade, e fazer propostas sólidas de como combatê-los aqui e agora.
3- O problema é difuso, mas podemos escolher alvos específicos para atacar
Tomemos como exemplo um livro homofóbico editado pela Gospel Mais, do Silas Malafaia. Ele é vendido em dezenas de redes de livrarias, a editora é toda muito ruim e homofóbica e a Avon era só mais uma das muitas empresas que o revendiam. O movimento LGBT se juntou, nacionalmente e com apoio externo, para exigir que a Avon já não vendesse mais tal livro. Um livro, um ponto de venda. A pressão foi tão grande que ela teve que recuar.
Por que ao invés de fazer protestos genéricos não elegemos também um alvo para atacar usando-o de exemplo? Quando somos vitoriosas nisso, outras empresas irão pensar duas vezes antes de fazer o mesmo que o coleguinha misógino fez.
4- Enfocar a conquista de vitórias práticas e não a conscientização das pessoas
Hoje as pessoas não são menos homofóbicas do que antes, mas elas vão ter que encarar que lésbicas e gays podem se casar. E adotar crianças. Uma porcentagem mínima da população brasileira é a favor do casamento homossexual, mas isso não impediu que ele fosse legalizado.
Encare os fatos: 85% da população brasileira é contra a legalização do aborto.
Oitenta.
E cinco.
Por cento.
Não podemos esperar até que todos achem a nossa causa legal: mulheres estão morrendo AGORA.
AGORA.
São 150 mil por ano, de acordo com a ONU, só no Brasil. Outras tantas estão PRESAS. A vida delas foi arruinada por ir pra uma cadeia por conta de um aborto. Pode ser eu ou você amanhã.
Já temos uma quantidade grande o bastante de feministas convictas da justeza da causa para sermos vitoriosas nisso. Se fosse a pauta de cada uma das nossas marchas, nossos atos, nossos protestos, nossos cartazes, nossas pichações, nossas coletivas, se nos uníssemos em torno de uma candidata que propusesse isso, nós já teríamos conseguido. Mas embora todas as causas sejam importantes, lutar por uma agora nos deixaria mais fortes para conseguir outra no futuro e é mais realista do que tentar lutar por tudo ao mesmo tempo. Não está funcionando. Não está funcionando e precisa ser repensado imediatamente!!!
5- Ter representação política
NÃO ADIANTA SER A FAVOR DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO E VOTAR NO PSDB.
Não adianta ser contra o estupro e votar no DEM.
Não adianta ser contra a violência doméstica e votar no PMDB.
Não adianta ser contra a desigualdade salarial e votar no PDT.
NÃO ADIANTA. Repitam comigo: não. Adianta!!
Já passou da hora de o movimento feminista se organizar em torno de partidos e candidatas de fato comprometidas com a causa. Se conseguissemos nos unir em torno da Ana Luíza com a mesma intensidade que as lésbicas e gays se reunem em torno do Jean Wyllys, muita coisa já teria avançado. Não é possível que sejamos desunidas demais para isso!
Se todas as feministas votassem em partidos feministas, talvez não conseguissemos eleger uma presidenta feminista, mas deputadas, senadoras e prefeitas estão SIM ao nosso alcance. Votem no PSTU, no PSOL, no PCO, no PCdoB, em qualquer coisa que se reivindica feminista! Conheçam os partidos que não são legalizados, a LER-QI por exemplo. Façamos uma coalizão, vamos nos juntar em torno da causa, já chega de não termos unidade nas urnas!
Lembrando que tudo isso foi possível no movimento LGBT, que é cheio de diferenças internas, mais recente, menos numeroso, igualmente odiado, com inimigos comuns aos nossos e que usa as mesmas formas de protestar (marchas, atos, militância online, etc). Nossa causa também é justa e
we can do it!